Qual a Melhor Forma de Expor um Ponto?

“Foi como ver um cachorro tocando piano.”, disse o personagem de Mad Men, Fred Rumsen ao ver uma mulher sendo inteligente.

Você tem ideias. Você tem opiniões. Você quer que os outros saibam um pouquinho mais do que se passa na sua cabeça, afinal, você acredita poder adicionar algo na vida do outro. (Ou às vezes você só quer mostrar que sabe, vai saber!) Mas qual a melhor forma de fazer isso, e de maneira que os efeitos sejam os mais profundos e duradouros?

Expor nua, crua e da forma mais sincera possível, a Coisa que gerou o Ponto, sem explicações excessivas ou didatismo desnecessário. Para mim, é o melhor que você pode fazer. Acho absurdamente improdutivo (e imaturo) se “espernear”, se enfurecer e se perguntar continuamente como as pessoas podem ser tão ________. Pois isso não vai resultar em mudança. Não vai levar o outro a pensar diferente e você vai dar uma de Marty McFly e viajar para o passado ao desfrutar o delicioso sentimento de uma criança que não convenceu a mãe a comprar o novo bonequinho do Homem de Ferro.

Expor a Coisa que gerou o Ponto em sua condição inata é tão poderoso e tão a-melhor-arma-que-você-tem que enxergo sua aplicação desde no dia-a-dia, em que felizmente lidamos com pessoas que pensam diferente de nós, até na própria estrutura de filmes e séries de TV, que é uma constante batalha dos realizadores entre a progressão da história e construção de mise-en-scène através de diálogos expositivos X imagens com real significado.

Estamos em um jardim.

Mad-Men-01

Os filhos de Betty Draper brincam com o cachorro.

Quando, de repente, o vizinho da casa ao lado solta uma porção de pombos de estimação no ar.

O cachorro, reagindo instintivamente, salta em um dos pombos e o morde.

Mad-Men-02

O vizinho, agitado, vira para as crianças com um olhar cheio de ódio, “Se eu ver esse cachorro no meu jardim de novo, eu vou atirar nele.”

A pequena filha de Betty chorou para os pais naquela noite, temendo que seu querido cachorro fosse alvejado pelo vizinho.

Corta para Betty Draper.

Mad-Men-07-2

Ela é uma dona-de-casa no começo dos anos 60, sua rotina consiste em cuidar dos filhos, limpar a casa e sempre ter o jantar pronto para quando o marido, Don, chegar do trabalho.

Certo dia, um big-shot da publicidade oferece a Betty uma chance de ser a nova modelo para comerciais da Coca-Cola. Betty acaba se vendo em uma batalha tanto interna quanto externa de “Aceitar X Não Aceitar”.

Internamente, ela se lembra dos conselhos da mãe durante sua adolescência, “Você deve ser bonita para um homem querer se casar com você, não para arranjar um emprego.” Mas Betty acaba aceitando a oportunidade.

Mad-Men-04

E é ela quem chega em casa após um longo dia de trabalho, sentindo-se genuinamente realizada ao ganhar o próprio salário.

No entanto, mesmo tendo vencido a batalha em seu interior, a batalha externa se revela mais árdua. Uma série de decisões fora de seu controle e fruto da sociedade opressiva em que vive levam Betty a perder o emprego.

Porém, na mesma noite em que ela recebe a frustrante notícia, em casa, Don a olha nos olhos, envolve carinhosamente sua mão direita com as dele…

Mad-Men-05-2

…e com uma voz mansa e acalentadora lembra que ela tem um trabalho: Betty é uma mãe para aquelas duas crianças e é melhor nisso do que qualquer outra pessoa. Don daria tudo para ter uma mãe como ela. Betty sorri, “Don está certo.”

No dia seguinte, Betty sai para o jardim, ela olha para os pombos do vizinho que voam, ergue uma espingarda e, sem expressão no rosto, começa a atirar nos pombos.

Mad-Men-06

Um a um.

Precisa de mais do que isso? A mente de quem assiste preenche as lacunas deixadas, o que provoca uma sensação de “eu entendi o que os realizadores queriam que eu entendesse e sou grato por eles depositarem a confiança em mim para entender o que eu entendi”. Ao explicar excessivamente um Ponto, você corre o risco de cruzar a tênue linha em que você basicamente chama o outro de estúpido. E daí, você viaja para o passado novamente ao desfrutar o delicioso sentimento de uma criança que xinga o amiguinho e o amiguinho xinga ela de volta e a discussão só termina quando a professora ameaça chamar os pais.

Mad Men não conta como a sociedade americana dos anos 60 era desse jeito e daquele jeito, ele Mostra. Ele Mostra como os personagens agem. Ele Mostra como os personagens sentem. Ele Mostra sua mensagem. Ele Mostra sua brilhante estória. E paradoxalmente, faz isso mostrando muito pouco, levando-nos a refletir a respeito de nosso próprio tempo.

Porque se alguém se ver em uma situação em que “Foi como ver um cachorro tocando piano.” é jogado de alguma forma em qualquer contexto, e não achar que algo está minimamente errado, não é argumentando repetidamente que ela pensará de outra forma. Talvez seja necessário passar 50 anos para que alguém Mostre a ela uma série sobre 50 anos atrás para finalmente perceber como pensávamos do jeito que pensávamos. Se isso…

Mas é o melhor que podemos fazer.

Deixe um comentário