O Medo do Novo

Augusto é uma criança que tem tudo. Família rica, bonito, inteligente (o único em sua sala que sabe toda a tabuada de cor), tem uma namoradinha (apesar de uma porção de outras dizerem que namoram ele também, só que ele nem sabe!) os melhores brinquedos, aulinha de natação, futebol e inglês; come sempre nos melhores lugares da cidade, já viu a Disney e todos os principais resorts do nordeste.

Augusto é um adolescente que tem tudo. Família rica, bonito, inteligente (alternando o posto de melhor da série com uma menina da sala ao lado), tem um humor afiado, uma namorada (o que não o impede de ficar com outras pessoas), todos os videogames da última geração; faz aula de futebol e inglês, come sempre nos melhores restaurantes, já visitou a Europa, os EUA, a Coréia do Sul, Taiwan e Japão.

Augusto é um jovem adulto que tem tudo. Família rica, bonito, inteligente (é o melhor da faculdade, e mal estuda), tem um humor afiado, uma namorada (claro que ele também sai todas as terças com a vizinha do apê em frente); surfa e vai sempre para a casa em Riviera aproveitar as ondas, come sempre nos melhores restaurantes e nem lembra para onde viajou esse ano, ele acha que foi Inglaterra de novo.

Augusto é um adulto que tem tudo. Rico, bonito, inteligente (conseguiu um cargo invejável em um instituto renomado de tecnologia), tem um humor afiado, uma namorada (ainda que saia quase toda noite com a irmã de um amigo); continua surfando sempre que pode em Riviera, come nos melhores restaurantes aonde quer que esteja no mundo, já que viaja todo o ano para um lugar novo e repetido também.

Augusto é um adulto de meia idade que tem tudo. Rico, bonito, inteligente (comanda o instituto e é um líder nato, como diz os próprios chefes), tem um humor afiado, uma esposa belíssima e talentosa, algumas namoradas, um casal de filhos educados e saudáveis; deixou de surfar e apenas corre e faz pilates, leva a família inteira para comer sempre nos melhores restaurantes e todo ano tira uma folguinha para viajar para o exterior.

Augusto é um senhor idoso que tem tudo. Rico, bonito, inteligente (é sócio do instituto, e mal precisa trabalhar, os outros fazem por ele), tem um humor afiado, uma esposa como poucas, algumas namoradas, um casal de filhos carinhosos, e netos fofíssimos; corre todo final de semana, faz pilates às terças, combinou com os melhores amigos de que levaria-os aos restaurantes mais badalados da cidade nos domingos, e viaja sempre, agora ainda mais do que antes já que não trabalha mais tanto.

Augusto é um cadáver que tem tudo. Tem a melhor agência funerária (que livrou a família do perrengue de ter que lidar com a burocracia chata em um dia como esse), um ambiente agradável e bem localizado para o velório, os melhores comes e bebes da cidade; sua esposa se gruda ao corpo gelado sem sair de perto (as namoradas escolheram dar esse tempo a família), dezenas de amigos, desde a infância até os mais recentes estão aqui (amigos que conheceu no mundo inteiro vieram apenas para vê-lo). Augusto teve uma cerimônia memorável e vai deixar muitas saudades.

Augusto é um menino, um garoto, um homem, um defunto que teve tudo. Tudo lhe veio fácil. Sua vida era a personificação de um sonho da vida ideal, de tal forma que o próprio sonho da vida ideal teria inveja. E sabe o que Augusto fazia nos pequenos momentos de respiro que encontrava entre um jantar no melhor restaurante, uma viagem para a Grécia, um cinema com a esposa, uma noite com a namorada, um dia de risadas com os filhos? Ele chorava.

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